Holding familiar e a repercussão do Tema 796 do STF

Certamente, você já se deparou com o termo holding familiar. Trata-se de instrumento jurídico que concentra a administração e a gestão dos ativos de uma família, simplificando o planejamento sucessório e tributário, ao mesmo tempo em que fortalece a proteção dos ativos patrimoniais.

Contudo, a eficácia de uma holding familiar como uma estratégia essencial no planejamento sucessório requer cuidadosa análise dos custos associados às transações e tributação.

Apesar de não ser recente, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em agosto de 2020 (Tema 796), que aborda a isenção do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) nos casos de integralização de capital social com imóveis, ainda gera dúvidas e insegurança jurídica.

Em regra, a transferência de bens imóveis por meio de transações onerosas está sujeita ao recolhimento do ITBI, como delineado pelo artigo 156, da Constituição Federal. Dessa forma, de modo genérico, sempre que houver a transferência da propriedade de um bem imóvel é necessário efetuar o pagamento do ITBI ao Município onde o imóvel está registrado.

Há algumas hipóteses, no entanto, que o contribuinte pode ser dispensado dessa obrigação, como por exemplo, as hipóteses previstas no §2º do artigo 156 da CF que estabelece que “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”. Essa norma tem a finalidade precípua de facilitar a constituição de empresas e promover a livre iniciativa.

No caso que originou o Tema 796 firmado pelo STF sob repercussão geral, o Município entendeu que a imunidade do ITBI estaria restrita ao capital subscrito, não sendo razoável a concessão de imunidade quanto ao valor total do imóvel incorporado, se excedente.

Por sua vez, o STF confirmou que “a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado“. Ou seja, somente haverá isenção do ITBI sobre o montante dos bens que atinjam o valor do capital social, enquanto o excesso ficará sujeito à tributação municipal.

Ocorre que o próprio STF, na fundamentação do voto vencedor, esclareceu a distinção entre as imunidades para integralizações (“realização de capital”) e fusão, cisão ou incorporação (“incorporação de bens”), sendo (i) incondicionada a imunidade relativa à integralização de capital e (ii) condicionada na hipótese de fusão, cisão ou incorporação, pois a imunidade só seria aplicável caso a sociedade incorporadora dos bens imóveis não desenvolvesse atividade preponderantemente imobiliária. Confira trecho da decisão: 

“Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso ‘I – nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil’ – revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão ‘nesses casos’ não alcança o ‘outro caso’ referido na primeira oração do inciso I, do §2º, do artigo 156 da CF.

(…) Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do §2º, do artigo 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte.

(…) Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito”.

Apesar de o STF ter trazido relevante diretriz por meio da edição do Tema 796, ainda restam dúvidas sobre sua aplicação. Com a falta de clareza, os Municípios acabam por adotar diferentes intepretações para justificar a cobrança do ITBI, muitas vezes indevida. Alguns entes arrecadadores distorcem a decisão do STF, a fim de salvaguardar a arrecadação a qualquer custo.

Ademais, as divergentes decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça contribuem para a incerteza e insegurança jurídica. Há decisões divergentes a respeito do Tema 796 dentro de um mesmo Tribunal de Justiça, que ora entende que a imunidade prevista no art. 156 da CF é condicionada, ou seja, deve-se verificar se a sociedade exerce atividade imobiliária preponderante, ora decide que a sociedade está isenta do ITBI nos casos de integralização de capital com imóveis, sendo que a análise da atividade preponderantemente imobiliária somente é devida nas hipóteses de fusão, incorporação ou cisão.

Em que pese o cenário incerto, para aqueles que buscam proteger seu patrimônio e traçar planos para o futuro de suas atividades, a transferência de imóveis para uma holding pode se revelar uma estratégia atrativa. Seguindo as diretrizes delineadas pelo STF, é factível evitar a cobrança do ITBI em determinados casos e aproveitar os benefícios proporcionados pela holding familiar.

Por outro lado, alguns fatores podem impactar substancialmente as despesas relacionadas à constituição da holding, razão pela qual o planejamento patrimonial e sucessório requer amplo e detalhado estudo prévio.

Nady Dequech