Governança corporativa é um termo que abrange o modo como as empresas são conduzidas, monitoradas e responsabilizadas. O termo parece remeter às grandes corporações, sendo pouco endereçado às empresas familiares de menor porte. Soa paradoxal, considerando que as empresas familiares representam mais de 70% do PIB global. No Brasil, a esmagadora maioria das empresas é de natureza familiar.
Com tamanha relevância, por que tão poucas empresas familiares se alicerçam com uma estrutura de governança corporativa?
É alarmante se deparar com estudos e pesquisas que mostram que cerca de 70% das empresas familiares não conseguem sobreviver após a ausência do seu fundador, e pouco mais de 5% chegam à terceira geração. E os anos parecem não remodelar essa desastrosa estatística.
Sem dúvida, a governança corporativa exerce um papel transformador nas empresas familiares, sejam elas de qualquer natureza, porte ou estágio de maturidade. Proporciona, primordialmente, o fortalecimento da confiança intrafamiliar (com a projeção dessa confiança no mercado), facilita a elaboração, revisão e alinhamento de diretrizes estratégicas, orienta a gestão, consolida culturas e valores.
Por onde começar?
A implementação da governança corporativa não deve ser um evento, mas sim um constante processo a ser sempre revistado. A depender das características, atividade e porte da empresa, deve ser estruturada de forma escalonada e flexível, adaptada à realidade de cada organização. Há outros fatores a serem levados em consideração, tais como a presença ou ausência dos fundadores na gestão, a participação dos herdeiros no negócio e outras questões relevantes peculiares de cada família empresária.
A seguir, uma breve abordagem sobre os primeiros passos para se iniciar as boas práticas de uma governança corporativa.
Estabeleça bases sólidas e transparentes para gestão de maneira formal
Assim como uma empresa de capital aberto, uma empresa familiar de menor porte deve definir as funções e responsabilidades para cada membro da família, estabelecer metas e regras de conduta, o plano para gestão de riscos e novos projetos. Para muitas famílias empresárias, estabelecer regras e normas de conduta de maneira formal é um grande tabu, e transpor a informalidade passa a ser um trabalho árduo que esbarra em questões emocionais. No entanto, documentar um “Acordo de Família” (protocolo, acordo de cotista ou qualquer outro documento pertinente) com regras claras sobre princípios, gestão, política de distribuição de resultados, propriedade, direitos e obrigações, responsabilizações, é um excelente arcabouço para um ambiente seguro e de confiança para todas as partes, mitigando conflitos de interesses e de gerações.
Estruture um Conselho Familiar
Quando se fala em Conselho, logo se pensa em conselho de administração ou fiscal bem estruturados de grandes corporações, o que é inviável e impraticável para empresas familiares de menor porte. No entanto, é perfeitamente cabível e salutar que as empresas familiares estruturem seus conselhos, ainda que não sejam constituídos por membros externos ou conselheiros independentes. O Conselho Familiar, com reuniões formais e periódicas, além de ser um ambiente propício para discutir assuntos relevantes relacionados à gestão e planejamento estratégico, é uma ótima oportunidade para aprimorar a cultura e os pilares básicos da governança corporativa (integridade, transparência, equidade, responsabilização, sustentabilidade), identificar as habilidades e desejos de cada membro familiar, desenvolver um plano de sucessão, preservar o legado. Evidentemente, na medida que a empresa se expande e amadurece, é possível fazer adaptações até formar uma estrutura completa de governança corporativa, incorporando todos os conselhos e comitês.
Planeje a sucessão
Um cenário bastante comum, o fundador de uma empresa passa anos se dedicando para expansão dos negócios familiares, proporciona os melhores estudos para seus herdeiros e, ao final da sua trajetória empresarial se depara com uma situação não planejada: não há membros da família com capacitação técnica ou preparo emocional para assumir a liderança ou com desejo de prosseguir com a atividade empresarial. Um cenário ainda mais desastroso e também bastante comum: o fundador falece sem que nenhum planejamento sucessório tenha sido discutido com os herdeiros ou nenhum mecanismo de transferência de controle ou de reorganização societária tenha sido previamente deliberado. Não raro, a família, núcleo de amor e acolhimento, passa por infindáveis brigas e disputas judiciais. Planejar a sucessão, envolvendo todas as partes interessadas com equidade e de forma transparente, é uma ótima oportunidade para “criar relacionamentos de confiança e o melhor ambiente possível para que as pessoas se sintam entusiasmadas e inspiradas a trabalhar com excelência, se autorrealizarem e alcançarem o máximo de seu potencial humano em benefício do desempenho da organização”[1]. Toda essa cadeia harmoniosa reverbera não apenas nas relações familiares, mas também nas relações com os stakeholders.
Empondere as gerações futuras
Invista nas gerações futuras. Inegavelmente, proporcionar a capacitação, o desenvolvimento dos talentos, habilidades técnicas e emocionais dos membros mais jovens para que exerçam seus futuros papéis, seja em cargo de gestão, diretoria, de conselho, ou apenas sócio proprietário sem atividade específica na empresa familiar é uma preciosa chave para o sucesso e longevidade dos negócios. Não apenas capacitar, mas estimular para que se expressem, desenvolvam a autoconfiança, e se envolvam no ambiente empresarial para que despertem o sentimento de pertencimento. Certamente, pequenos gestos inclusivos contribuirão significativamente para o engajamento no alcance do objetivo comum: perenizar o legado da família.
Um projeto que vale a pena
Independentemente do porte e da maturidade que se encontra a empresa familiar, implementar uma governança corporativa não demanda necessariamente um alto investimento financeiro. Além de fortalecer a confiança intrafamiliar, aperfeiçoar a posição da empresa no mercado, agregar valor, a governança corporativa é uma excelente ferramenta para mitigar conflitos, favorecer a continuidade dos negócios e a transferência do legado familiar.
Nady Dequech
[1] Frase atribuída ao Prof. Alexandre Di Miceli da Silveira